segunda-feira, 30 de março de 2015

Da autonomia e protagonismo da mulher: repensando conceitos

Foto de Renata Penna - Projeto Bonita é Mãe
(http://bonitaeamae.tumblr.com/)
Na semana passada postei um texto que buscava demonstrar a importância do feminismo para o movimento da humanização do parto. Contudo, alguns debates me fizeram mudar de ideia em relação a esta frase:

Até por isso, uma cirurgia cesárea pode ocorrer de forma muito respeitosa, mas nunca será humanizada, visto que o sujeito ativo da cirurgia é o médico, sendo dele o protagonismo pelo ato.


O primeiro debate que me chamou atenção para o equívoco desta frase, surgiu de uma postagem da Dra. Melania Amorim em que defendia que poderia haver atendimento humanizado em uma cesárea.

A partir dessa discussão, pedi ajuda às amigas ativistas para entender como isso era possível e o que obtive foi uma troca de ideias bastante rica que acabou por me fazer reconsiderar a frase acima. Disseram até que o assunto era tão vasto que pesquisar sobre a humanização poderia levar anos! Alguns dias depois, e o post está feito. Então, a pesquisa foi superficial, mas nem por isso, o texto ficou curto. O assunto é bem complexo e, por isso, peço aqui paciência e tempo pra chegar até o final :-P .

Primeiramente, é importante frisar que o conceito de humanização da saúde e humanização do parto são conceitos distintos, embora este tenha se originado daquele. Ainda, o movimento da humanização da saúde já tem uma longa história e é bastante conhecido dos profissionais da saúde.

Neste debate, foi-me sugerido a leitura de um estudo sobre a humanização da saúde, que pode ser lido da íntegra aqui. E alguns trechos considero importantes serem destacados:
  
"DESLANDES (2004), em um estudo que analisa o discurso do Ministério da Saúde sobre a proposta de humanização na assistência à saúde, em nosso meio, destaca que o termo humanização, como tem sido empregado, carece de uma definição mais clara e tem significado um amplo conjunto de iniciativas que abrange:
- A assistência que valoriza a qualidade do cuidado do ponto de vista técnico;
- O reconhecimento dos direitos, da subjetividade e da cultura do paciente;
- O valor do profissional da saúde.
Portanto, as ideias centrais de humanização do atendimento na saúde são as de: oposição à violência, compreendida como a negação do outro, em sua humanidade, necessidade de oferta de atendimento de qualidade, articulação dos avanços tecnológicos com acolhimento, melhorias nas condições de trabalho do profissional e ampliação do processo de comunicação."

(...)

"MINAYO (2004) analisa o mesmo texto de Deslandes recordando a história das correntes filosóficas humanistas e esclarecendo que o humanismo laico e o cristão possuem três aspectos fundamentais que devem ser levados em consideração quando se discute humanização em saúde:
1) A centralidade do sujeito em intersubjetividade. Neste caso, o profissional de saúde deve reconhecer o outro em sua humanidade, ou seja, indivíduo com capacidade de pensar, agir, interagir, ter lógica, manifestar-se e expressar intencionalidade.
2) O ser humano como síntese de seus atos. Observa que o processo de humanização transcende os esquemas, funcionalista e mecanicista, que são traçados para “racionalizar sua implantação”. O existencialismo prega que um projeto só “é” ou “está em ação” quando envolve vários sujeitos, nos quais se acredita e se leva em conta “suas verdades em ação.”
3) O modelo médico continua sendo de formação tecnicista e instrumental. Nele, a formação dos profissionais da saúde supervaloriza o positivismo e as teorias mecanicistas que tratam o ser doente como organismo formado por um dispositivo bioquímico e funcional. No fundo, percebe-se, por parte do profissional, um menosprezo pela liberdade e autodeterminação do paciente."


Pela leitura destes trechos, pode-se inferir que por humanização da saúde se entende um modelo de atendimento mais focado na subjetividade do paciente e menos em teorias mecanicistas. O termo humanizar se aplica a um conjunto de práticas em saúde (e reflexões acerca dessas práticas) que se propõe a fazer frente a uma assistência mecanizada e automatizada. Quem se interessar sobre humanização na área da saúde, recomendo muito a leitura completa do arquivo linkado acima. 

Esses princípios também estão presentes na definição de humanização do parto, contudo, este conceito é mais específico.

A Dra. Melania Amorim conceitua a humanização do parto da seguinte maneira:

"Humanização do parto consiste em um tripé: a retomada do protagonismo feminino no PARTO (e por isso não se fala na cesárea, que nem é parto nem tem protagonismo), a visão do parto como um evento de múltiplas dimensões biopsicossociais e espirituais (não como ato médico) que deve ser atendido pela equipe transdisciplinar, e uma sólida vinculação com a medicina baseada em evidências."

Neste mesmo sentido, é a definição encontrada na página 112 do caderno do HumanizaSUS, disponível aqui:

Esse modelo pretende oferecer interlocução criativa entre paradigmas conflitantes. Se o “naturalismo” nos aprisiona nos ditames inexoráveis de uma natureza imprevisível, a “tecnocracia” também nos encarcera sob o domínio de uma tecnologia despersonalizante, coisificante e objetualizante, que se opõe às aspirações humanas de liberdade e autonomia. Portanto, a humanização do nascimento apresenta proposta baseada nesse tripé conceitual:
1. Protagonismo restituído à mulher, como premissa fundamental, sem o qual se estaria apenas “sofisticando a tutela” milenarmente imposta pelo patriarcado.
2. Visão integrativa e interdisciplinar do parto, retirando deste o caráter de “processo biológico” e alçando-o ao patamar de “evento humano”, onde aspectos emocionais, fisiológicos, sociais, culturais e espirituais são igualmente valorizados, e suas específicas necessidades atendidas.
3. Vinculação visceral com a Medicina Baseada em Evidências, deixando claro que o movimento de “Humanização do Nascimento” é fundamentado na razão e na pesquisa científica, e não em crenças religiosas, ideias místicas ou pressupostos fantasiosos.


Antes de tudo, uma grande diferenciação entre esses conceitos é que a humanização do parto trabalha com um evento fisiológico, ou seja, a princípio não é um ato médico. Sendo assim, ainda mais importante desvincular o atendimento de procedimentos tecnicistas e mecânicos. 

Essa preocupação em relação ao respeito do protagonismo da mulher está diretamente relacionada com a questão de gênero. A experiência do parto, ou mesmo da cesariana, só pode ser vivenciada por mulheres*. E, em razão da sociedade patriarcal a qual estamos inseridos, muito do machismo é refletido na assistência ao parto. Ou seja, a mulher é subjugada e sua vontade desconsiderada. Não é à toa que o sistema obstétrico, de um modo em geral, costuma ser muito violento. Portanto, em vista dessa realidade, outros princípios também devem ser considerados para que se possa nomear a assistência ao parto de humanizada, como o respeito à autonomia e ao protagonismo da mulher.

Isto posto, é de fundamental importância a reflexão sobre o que é autonomia e protagonismo feminino.
Dra. Bernadete Bousada respeitando o tempo da gestante e do bebê

Autonomia no contexto da assistência humanizada ao parto pode ser compreendida como a capacidade de decidir livremente, de realizar escolhas sobre o seu próprio corpo e a sua sexualidade nas variadas dimensões e resultados em que o parto pode se dar. Nesse sentido, protagonismo pode ser compreendido como o exercício da autonomia.

Portanto, sendo o protagonismo um exercício da autonomia que é a capacidade de escolher livremente, todas as escolhas devem ser respeitadas. Inclusive a escolha por não parir. É importante frisar aqui que autonomia é uma palavra radical, ou seja, ela não é mediada ou negociada. Muitos profissionais fazem crer que a escolha pela cesárea partiu da mulher quando, na verdade, ela baseou a sua decisão em informações falsas prestadas por eles. Infelizmente, isso é bem comum. Portanto, quando falo em respeito a escolhas, estou falando de escolhas legítimas e não viciadas em informações falsas, ainda que seja preciso debater essa manipulação impingida por profissionais de saúde.

Portanto, o exercício da autonomia pode ser feito, inclusive, de forma que precarize nossas vidas. Fumar, por exemplo, é uma escolha. E as pessoas a fazem mesmo sabendo de todos os males que esse hábito pode causar. Então, autonomia e protagonismos podem antagonizar com bandeiras da humanização do parto**.

Uma cesárea eletiva pode ser realizada de forma autônoma e protagonizada? Não podemos negar que há mulheres com acesso a informação e a profissionais de saúde qualificados, independentes, a par dos debates de humanização, que circulam em espaços de militância e que, ainda assim escolhem por uma cesárea mesmo no início da gravidez, sem qualquer indicação para tal. Essa escolha pode ocorrer por motivos subjetivos – preparar-se para o parto exige uma disponibilidade***, ainda que mínima, e nem toda mulher está disposta a isso. Parto pode ser intenso e mexe com muita coisa – no plano sentimental, espiritual, psicológico, inconsciente ou mesmo pode evocar um passado. Além disso, considerando a realidade do sistema obstétrico em que a violência obstétrica de tão normalizada é normatizada, a escolha pela cesárea eletiva pode ser considerada até uma fuga legítima. Ou seja, a escolha pela cesárea nem sempre representa uma abdicação pela autonomia e protagonismo.

E é nesse ponto que o conceito de sujeito ativo ou passivo se perde. Porque, nestes casos, se há verdadeira escolha, existe também autonomia e protagonismo e, deste modo, não posso falar em passividade na relação. Posso, até mesmo, estender esse debate para a questão do empoderamento para parir. Há mulheres que escolhem se empoderar em outras áreas da vida (seja no trabalho, seja em alguma militância, etc) e não estão dispostas a se encher de poder para parir. É uma escolha, e é legítima.

Imperioso lembrar que estamos falando de nascimento, de vida e, neste âmbito, independentemente de qualquer tomada de decisão, há riscos e se há riscos não há garantia de resultados. Ora, precisamos falar que a assistência humanizada ao parto inclui casos de óbito fetal. Se há gestação, há risco de aborto espontâneo em qualquer fase, então, também é preciso inserir no debate a assistência humanizada à mulher em situação de abortamento.

Ainda, é importante ressaltar que mesmo em gestações saudáveis e tranquilas a cesárea pode ser necessária. A própria OMS recomenda que 15% de cesáreas é um número que representa as gestações que têm que ser interrompidas via cirurgia. Portanto, uma assistência humanizada não pode estar atrelada ao resultado, visto que assistência é processo e não o fim em si. Este processo pode se iniciar nas consultas de pré-natal ou mesmo no início do trabalho de parto, ou seja, o atendimento humanizado antecede o resultado. Sendo assim, negar a humanização do parto, ainda que não haja parto, significa negar o processo em razão do resultado. 

Portanto, em se falando de respeito à autonomia e protagonismo feminino, não pode existir um pacote de procedimentos que caracterizem a humanização do parto. Humanizar o parto é respeitar subjetividades, de forma a se comprometer com todo o processo de nascimento. E, dentro desta reflexão, entendendo que o que deve ser priorizado é o processo e não o fim, não seria mais correto o uso do termo “humanização do nascimento” no lugar de “humanização do parto”?


Este debate pode parecer à primeira vista superficial na medida em que se questiona conceitos, contudo, há muitas implicações práticas:

1.    Sim, é possível o atendimento humanizado mesmo em se tratando de cirurgia cesárea. Aceitar isso é entender que o conceito da humanização da saúde é muito mais abrangente daquele da humanização do parto. É respeitar todo o histórico de luta dos profissionais da saúde que trabalham pela humanização. No entanto, falar em atendimento humanizado na cesárea não é o mesmo que cesárea humanizada. Sendo a cesárea um ato médico e também por ser uma cirurgia é importante que as evidências científicas e a boa técnica sejam observadas. Portanto, a cesárea em si não pode ser humanizada, mas a assistência ao nascimento que culmine numa cesárea, principalmente antes e após a cirurgia, podem ser humanizados.

2.    Receber um atendimento que respeite sua subjetividade durante a gestação e trabalho de parto pode ser fundamental para o exercício da maternagem, para o sucesso no aleitamento materno, principalmente, na fase puerperal.

3.    Entender o trabalho de parto e sua assistência como um processo que pode não acabar com o resultado desejado, também nos livra da sensação de fracasso. E, se isso porventura aconteceu com você, indico muito a leitura desse texto, que considero uma das coisas mais lindas que já li no espaço virtual.

4.   Ainda que se escolha por uma cesárea, conceitos da humanização do parto podem ser estendidos para o atendimento pós nascimento, dispensando intervenção desnecessárias no bebê e estimulando o contato e a formação de vínculo entre mãe e bebê.

5.   Refletir sobre essas questões e sobre a escolha da assistência a ser prestada auxilia na garantia do exercício da nossa autonomia. Porque não adianta escapar da tutela do cesarista para ser tutelada por profissionais que se intitulem  “humanizados” mas que em realidade não respeitam a autonomia e o protagonismo feminino.


*Esse texto é reflexo de um lugar de fala de mulheres cisgêneras, portanto limitado pela experiência do privilégio. Apesar de estarmos falando aqui exclusivamente de mulheres cis, entendemos que é importante avançar numa reflexão transfeministas - em outros países em especial no Canadá tem crescido a participação de pessoas trans no debate sobre assistência ao parto e aleitamento.

** Respeitar a escolha pela cesárea não significa desconhecer ou desconsiderar o fato que a cirurgia é mais arriscada tanto para mãe quanto para o bebê. E, além do risco, priva os dois de gozarem dos benefícios de um parto natural.

***Especialmente em um contexto em que a violência obstétrica é presente e há possibilidade, ainda que seja privilégios, de optar por parto domiciliar, hospitalar ou em casa de parto.

Este texto foi escrito em parceria com a grande amiga Xênia Mello. E ainda contou com a participação da Ana Rossato, Bruna Betoli, Mariana Elis, Helenice Assis Vespasiano, Laura Silva, Stella Siqueira Campos e Lidi Berriel (sempre tão necessária nas minhas reflexões sobre o movimento da humanização e sobre violência obstétrica).

Agradeço à Dra. Melania Amorim por fomentar o debate. Para quem não a conhece, ela é uma obstetra ativista pela humanização do parto. E como se isso não bastasse, ainda escreve esse blog que é recheado de informações sobre gestação e parto, e quando a gente não entende, ela desenha aqui.

Continuar lendo "Da autonomia e protagonismo da mulher: repensando conceitos"

terça-feira, 24 de março de 2015

Sobre a ânsia de se punir crianças



E assim como a fábula do eterno retorno, de tempos em tempos volta à tona a discussão acerca da redução da maioridade penal. Hoje mesmo (24.03.2015) a Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados está realizando uma audiência pública para discutir sobre o tema.

Crescemos com medo. Somos ensinados a temer. E à medida que esse pavor cresce, cresce com ele a sede por vingança. Por punição. Porque somente com a sensação de vingança é que conseguiremos dormir em paz. Será?

E nesta ânsia por punição não escapam nem as crianças e adolescentes. Embora sejam elas as maiores vítimas, inverte-se a lógica da opressão e eles passam a figurar como nossos algozes. Em 2012, 11 mil crianças e adolescentes foram assassinados! Neste mesmo ano, 2,9 mil crimes foram cometidos por eles:
























A despeito de acreditar que a punição de adolescentes em nada ajudaria a confortar essa sensação de medo, devemos lembrar que a população carcerária brasileira é praticamente composta de negros e pobres. Admitir a redução da maioridade penal implicaria, portanto, em selecionar quais adolescentes que iríamos tirar do nosso convívio: o jovem negro e pobre. A nossa punição é, com certeza, bastante seletiva.

A violência contra a criança é silenciosa não só pela dificuldade prática da denúncia mas por conta da dependência emocional que envolve a vítima perante seu agressor. Isso sem falar na violência psicológica que a grande maioria das crianças é submetida. Violência silenciosa que, por muitas vezes, nem mesmo a vítima se dá conta da intensidade do trauma vivido.

No Brasil, apenas no ano passado foi sancionada lei que proíbe que os pais batam em seus filhos. Esta lei gerou grande revolta pois muitos pais reivindicavam seu "direito" de violentar os filhos. Como se o corpo deles os pertencesse. Como se a violência fizesse parte de uma suposta educação. Como se agredir ensinasse alguém a ser bom.

Na Alemanha, uma lei muito parecida vigora há mais de 15 anos. Ainda assim, naquele país, por semana morrem 3 crianças vítimas de violência doméstica. Vítimas das pessoas que deveriam as proteger. Assassinadas por aqueles a quem o Estado entregou sua tutela.

Como se não bastasse esse número sem fim que só comprova como a sociedade oprime e violenta um grupo que não tem como se defender, o discurso da severidade sempre está em pauta. Urge-se para que os pais sejam mais austeros. Invoca-se um tempo imaginário em que as crianças eram mais obedientes e, claro, fala-se da atual permissividade dos pais.

Esta semana me deparei com uma reportagem que é, no mínimo, desonesta. O jornalista traz números e afirma que em três anos ocorreram um total de 14.302 agressões de filhos contra progenitores. Claro que a causa dessa violência foi atribuída à permissividade dos pais, porque nunca se relaciona a violência contra criança com a violência por elas praticada quando da adolescência.

Fiquei intrigada com esse número de pouco menos de 15 mil casos de agressões de filhos contra pais em três anos, ou seja, cerca de 5 mil casos por ano. Em uma busca rápida, fui atrás do número inverso. Quantas crianças são agredidas por seus pais anualmente no Brasil? A resposta? 170 mil denúncias de agressões de pais contra filhos apenas em 2013! 360 crianças e adolescentes são violentadas por dia. 

Que tipo de permissividade é essa que autoriza tamanha violência contra alguém que não tem condições físicas tampouco psicológicas para se defender? Que tipo de dever de educar permite que a pessoa que mais deveria amar é aquela que mais violenta?

Através de muitas conversas com a Letícia Penteado, eu tomei conhecimento do que era adultismo. E ela sempre repete uma frase da Magda Gerber que me marcou demais: "Muitas coisas horríveis foram feitas em nome do amor, mas nada horrível pode ser feito em nome do respeito". 

E voltando ao tema inicial eu me pergunto, quando passaremos a respeitar a infância e pararemos de querer punir os adolescentes por repetirem a violência que praticamos contra eles? Quando elevaremos a criança a condição de indivíduo merecedor de respeito tal qual um adulto?

Editando para acrescentar o texto da Eliane Brum que vai de encontro ao que defendi aqui: "Quem está violando quem? Quem não está protegendo quem? Quem deve ser responsabilizado por não garantir o direito de viver à parte das crianças e dos adolescentes?"


Continuar lendo "Sobre a ânsia de se punir crianças"

segunda-feira, 23 de março de 2015

Feminismo e Humanização do Parto: uma combinação necessária


Imagem do Projeto Fotográfico 1 em 4
A ideia de humanização do parto está intrinsicamente ligada ao protagonismo da mulher e à sua autonomia sobre seu corpo. Não há humanização desvinculada dessas premissas. Até por isso, uma cirurgia cesárea pode ocorrer de forma muito respeitosa, mas nunca será humanizada, visto que o sujeito ativo da cirurgia é o médico, sendo dele o protagonismo pelo ato.*

O movimento da humanização se mostrou fundamental frente à realidade de nascimento no Brasil: em que a mulher é tida como incapaz de parir e por isso um parto normal não humanizado significa se submeter a uma série de intervenções desnecessárias que violentam tanto a mulher como o bebê e que a cada dia se mostram mais institucionalizadas dentro do sistema hospitalar.

Toda essa medicalização e hostilidade perante o nascimento são reflexos de como a sociedade encara o corpo e a sexualidade feminina. Porque o parto é sim a continuação do sexo. E sexo e prazer para a mulher são tabus.

A naturalização da violência obstétrica é fruto de um sistema patriarcal que subjuga a mulher. Combater estas violências, então, implica em lutar contra o machismo e contra essa estrutura social.

Ao meu ver, portanto, não existe humanização sem feminismo. Porque se a humanização é a luta pelo respeito à mulher e sua autonomia, como tratar disso se não sob a ótica feminista? Qualquer tipo de humanização que menospreze o feminismo tenderá a ruir.

Se não se mantém coerente o pensamento de que a mulher é protagonista de sua vida, que não lhe cabe tutela, não há como ter humanização. Não tem como defender o patriarcado e se declarar defensor da autonomia da mulher sobre seu corpo . São coisas que se repelem.

Premissas como a garantia da autonomia do corpo e a igualdade de gênero quando ausentes na assistência ao parto acabam por repetir o modelo tradicional de assistência, visto que a naturalização e consequente normatização das violências obstétricas decorrem justamente da subjugação do gênero feminino tão combatida pelo feminismo.

Infelizmente o movimento pela humanização no Brasil ainda é muito pequeno e conta com poucos expoentes, embora seja visível o grande crescimento que se obteve nos últimos anos. E pelo movimento ainda ser pequeno, que é necessário se preservar essas poucas vozes que lutam pelos direitos das mulheres.

Contudo, preservar não pode significar a defesa a qualquer custo. Porque se há um profissional que se diz humanizado (e ironicamente se autointitula salvador de mulheres devolvendo-as o protagonismo no parto) mas defende o sistema patriarcal como um sistema de sucesso que protege as mulheres, esse profissional pode ser tudo, menos humanizado. Porque não dá pra trocar a tutela do cesarista, pelo dito humanizado. Na humanização não cabe tutela de ninguém, cabe somente o respeito à mulher e ao bebê.

No momento em que é mais importante manter nomes (mitos) da humanização do que combater o patriarcado, que é o grande causador da cultura de VOs, é porque a luta se perdeu, e o sistema opressor voltou a girar pro mesmo lado.

Este texto se originou de uma discussão que também fez surgir esse aqui.


*Essa frase foi bastante problematizada e acabei mudando de opinião sobre a questão do protagonismo mesmo na cesárea. As reflexões que surgiram podem ser lidas aqui.


Continuar lendo "Feminismo e Humanização do Parto: uma combinação necessária"

sábado, 21 de março de 2015

Empoderar-se para parir?

O sistema obstétrico brasileiro está fadado a reproduzir cada vez mais violências obstétricas. Sendo o parto um evento fisiológico e não patológico, não condizem com sua assistência procedimentos que priorizem a celeridade, a medicalização e a instrumentalização. Enquanto continuarmos a manter esse mesmo sistema, práticas violentas continuarão a se repetir. Este é um assunto bastante espinhoso e há um certo tempo eu venho refletindo sobre ele.

Em vista deste quadro, surge no Brasil um grande movimento que luta pela humanização do nascimento. Humanizar o parto, em poucas palavras, é respeitar o protagonismo da mulher, dando a ela o seu tempo para parir e evitando ao máximo a realização de intervenções.

E neste momento que o movimento vem encontrando cada vez mais forças é que se faz muito necessário falar sobre violência obstétrica e denunciar os fatores que levem a ela. Contudo, quando este tema vem à tona, é muito comum ouvir sobre o empoderamento da mulher como se a falta dele fosse também um dos fatores que a levassem juntamente com seu bebê a serem violentados. E, sobre esse posicionamento, eu discordo veementemente.

Colocar a falta de empoderamento como um fator que leva à violência é, no mínimo, uma argumentação deslocada. O empoderamento pode até ser colocado como uma tática de defesa, mas nunca como uma causa sob pena de culpabilização da vítima.

Primeiramente, neste contexto, a palavra empoderamento geralmente é lida em um sentido coletivo e não de empoderamento individual. Ao analisar a origem do termo, percebe-se que é um contrassenso. Empoderamento vem do termo em inglês “empowerment” e é um termo capitalista adotado pela administração de empresas para ensinar os funcionários a delegar tarefas. É um termo que foca no individualismo e tem bases na meritocracia. Trabalha a noção de que o indivíduo por si só é capaz de promover as mudanças necessárias a ele, que cada um se basta por si, e aí cai na meritocracia que move toda a máquina do capitalismo. Foca-se no indivíduo e despreza-se a rede de pessoas, o coletivo.

E eu entendo que no contexto da humanização, a palavra empoderamento possa ter tomado outro significado. No entanto, acredito que as palavras têm força. E insistir no uso do empoderamento, como se para se fortalecer seja necessário estar tomado de poder, para mim é continuar no embate. Porque o significado de poder exige dominação e submissão, ou seja, você luta pelo respeito pelo nascimento mas reforça a lógica de dominação já enraizada no status quo. Porque violência obstétrica é dominação e submissão. É tirar o protagonismo da mulher sobre o parto e sobre seu próprio corpo.

Reger suas próprias escolhas, se afirmar, se reconhecer é muito importante. Mas não acho que tenha a ver com poder. E acho estranho ressignificar um termo dentro de um grupo apenas.

Todavia, é certo que essa busca de conhecimento e de auto-estima da mulher, influencia no coletivo. Essa cultura de "luta" pelo parto desejado, fomentada por relatos de parto e pelas redes sociais, acaba de certa forma promovendo uma mudança cultural, em que o parto passa a ser novamente desejado e em que as mulheres vão se tornando mais ativas e exigentes, se colocam mais no processo de pré-natal e parto. Isso não é garantia de nada, mas gera um desconforto nos serviços. E no momento que as mulheres se organizam e, mesmo a partir de casos individuais, passam a coletivamente dar visibilidade às falhas da assistência que sofreram, cresce a intensidade da discussão sobre o tema. Acho que estamos passando por esse processo.

Isto foi só pra explicar minha birra com o termo e minha dificuldade de entendê-lo como algo coletivo. Mas entendo o uso da expressão.

Pausa para reflexão porque aqui se faz muito necessário um adendo sobre a utilização desta expressão, o tal do empoderamento.

O texto acima foi escrito antes de me deparar com este outro texto. Ele defende uma linha parecida com o que expus aqui, embora ache muita coisa problemática, tem muita cagação de regra aí. Mas então, em resposta a ele, me apresentaram um contraponto. Sou uma mulher branca, e este meu privilégio me cega de certa forma. No entanto, por sorte, encontrei algumas feministas negras porretas no meu caminho, que me fizeram apontamentos muito necessários. Até que ponto empoderar-se, ou seja, encher-se de poder não é vital para minorias? E, dentro do contexto do feminismo, considerando as opressões oriundas de um sistema patriarcal, empoderar-se pode sim ser muito importante. Mas, ressalto, isto porque se trata de um sistema de embate, de opressão. Porem, focando no nascimento, deveria a mulher se armar para parir?

É muito comum dentro do movimento da humanização ouvir que TEM que se estar empoderada para parir, como se o empoderamento fosse condição sine qua non. Já ouvi grandes vozes da humanização dizendo que não sofreram violência obstétrica porque estavam empoderadas. Isso, para mim, soa como se quem sofreu é porque não se empoderou. É culpabilizador! Acaba transferindo para a mulher a culpa pela violência, da mesma forma que o machismo sempre faz. E isso num momento de extrema fragilidade que é o trabalho de parto e o nascimento em si.

Talvez seja verdade que estar empoderada pode evitar a violência (repito, pode evitar, mas NUNCA causar), mas peitar o sistema é muito mais uma contrarreação do que uma causa. E, por isso, vejo o empoderamento como uma tática de contra-ataque. Ora, nos países onde o respeito na hora do parto é regra, o empoderamento não é tão necessário. Inglesas e holandesas, por exemplo, não precisam da mesma postura que uma brasileira para que seja respeitada em seu parto. Então, isso é consequência, e não causa. O sistema obstétrico atual deixa a mulher em situação passiva. Todo o protagonismo do parto lhe é retirado, e isso não é causa e sim, efeito. Empoderar-se é uma forma de reagir a isso, e não uma causa do sistema violento.

O enfrentamento é uma das nossas poucas armas de defesa. Mas, veja, estamos falando de nascimento e não de guerra e é terrível pensar que temos que nos armar. E alguém já ouviu falar de empoderar homem? Não precisa né? Eles têm todas as instituições ao seu lado, não precisam de empoderamento, por isso acho que esse é um fator secundário, que é mais uma defesa consequente da existência dos outros fatores.

Esses caminhos de resistência e criação de linhas de fuga ao sistema obstétrico, o que se costuma chamar de "empoderamento", são estratégias que as mulheres constroem frente a um terreno inóspito de assistência. No entanto, a assistência digna é um direito, e a não oferta desse direito jamais poderá ser atribuída à passividade, não empoderamento, ou o quer que seja por parte das mulheres.

E o conhecimento, educação em saúde, deveria estar disponível a todas, é um direito das usuárias do sus ou do sistema suplementar. Estamos falhando nisso, é uma questão de saúde pública também. Então são estratégias que buscamos para conseguir parir, suprindo as falhas do nosso sistema de atenção, mas a ausência destas estratégias não é justificativa para atenção ruim ao parto - e com frequência as coisas são colocadas nesses termos.

Ainda, o fato de confiarmos decisões sobre nossa saúde a quem usa jaleco branco, por exemplo, não é consequência de "baixo empoderamento" feminino, mas um sintoma social. A medicina historicamente detém o poder sobre a vida, não é na conta das mulheres e sua suposta baixa autoestima que isso deve ser depositado, a meu ver. Tornar-se empoderada significa reagir a toda e qualquer forma de violência, não reagir significa "falta de empoderamento"?

Eu vejo que o ideal seria que VO fosse uma exceção. E que nós não tivéssemos que praticamente nos formar obstetriz para parir. Empoderar- se é uma das poucas armas que temos para conseguir respeito. Mas, respeito deveria ser algo que nos fosse garantido sem luta. Portanto, deixar de se empoderar, por qualquer motivo, não poderia ser justificativa para que fossemos violentadas.

Se uma mulher deixa de sair à noite, ou passa somente a usar roupas que não chamem a atenção, ela diminuirá o risco de ser estuprada. Mas, se ela abrir mão dessa tática e for estuprada, o fator que contribuiu para que o crime acontecesse não pode ser atribuído a ela, e sim ao ato do estuprador, não é mesmo?

Então, falemos sobre "empoderar" mulheres, mas falemos como uma forma de se prevenir, e não como fator de ocorrência da violência.

Inclusive, eu fui encaminhada para a cesárea muito rápido. Foi tudo uma correria porque foi uma cesárea de emergência. E, depois que meu filho nasceu, a pediatra o trouxe para que eu pudesse vê-lo e ao querer tocá-lo, eu percebi que estava com os braços amarrados. Pedi para que me soltassem, mas disseram que não podiam. Como reagir? Eu me senti muito mal, mas só vim a saber que aquele procedimento não era padrão dias após a cirurgia.

E o que dizer das mulheres que pedem para não serem cortadas e, ainda assim, sofrem episiotomia? Não seria dever do médico se basear em evidências científicas e saber que aquele procedimento mutilador não deve ser de rotina? E, quiçá, não deveria ser feito nunca? Vide a experiência da Dr. Melania Amorim, que há anos não realiza mais episiotomias.


Imagem do Projeto Fotográfico 1 em 4 de Carla Raiter

É difícil reagir perante um sistema médico, cheio de procedimentos, se não se tem ferramentas para saber se aquilo é padrão ou se não é necessário.

Todo mundo sabe que o sistema obstétrico é muito cruel pra exigir que a mulher defenda seu parto ali naquele momento de tanta sensibilidade e fragilidade. A mulher que está empoderada e aos berros exige que não façam episiotomia e mesmo assim o médico faz, faltou lhe auto-estima?

E não poderia esquecer também dos casos da Adelir e da parturiente de Natal, que ficou tristemente conhecida como a “comedora de placenta”. Aquelas mulheres, ainda que muitíssimo empoderadas sofreram violências obstétricas inimagináveis e terríveis.

E, portanto, é necessário, para além do empoderamento, falar do lugar social da mulher. Se não, acabamos caindo no mesmo discurso falacioso da meritocracia. Existem hierarquias reprodutivas de acordo com a classe, idade, parceria sexual e a raça. Por isso a VO acontece muito mais nas mulheres negras e pobres, muito mais em mulheres que não vivem uma relação heteronormativa e monogâmica, mulheres que têm dst, usuárias de drogas, moradoras de rua, etc. Essas são as mulheres da "maternidade subalterna". E o empoderamento, para muitas mulheres, pode não fazer diferença alguma. 

Que sigamos lutando por uma assistência ao parto digna e respeitosa. Que haja verdadeiro respeito pela escolha das mulheres. Que elas possam livremente decidir por parir ou pela cirurgia. No hospital, na casa de parto ou em casa. Que seu protagonismo seja visto como um direito fundamental. Que não mais a responsabilizemos por serem violentadas.

Todas essas considerações não foram feitas por mim apenas. Elas foram discutidas com mulheres muito queridas e que muito contribuíram para que essas reflexões fossem feitas.

Continuar lendo "Empoderar-se para parir?"

sexta-feira, 20 de março de 2015

No princípio era a Maternidade



Ninguém sai ileso ao nascimento. Nenhuma mulher é a mesma após o nascimento de um filho. 

Ambas as afirmações podem parecer generalizantes e deterministas à primeira vista, eu mesma afirmaria isso se as lesse há dois anos. No entanto, hoje não consigo negar a sua veracidade.

É certo que algumas mulheres mudam mais que outras. Primeiro porque algumas mulheres podem ter uma experiência de vida pretérita que já lhes provocou uma mudança significativa. Às vezes devido à militância, ou ao encontro com a morte pela perda de alguém querido, ou mesmo por assumir uma orientação ou identidade sexual não convencional. Não importa o motivo. Há pessoas que já vivenciaram eventos que serviram como um chacoalhão que motivou a uma introspecção e trouxe uma nova visão de mundo e, portanto, a maternidade não chega a provocar mudanças tão significativas.

Já outras mulheres vestem as luvas de Elsa* e não se permitem sentir as mudanças. A sociedade cobra que as mães sejam dedicadas, abnegadas, amorosas, santas, em suma, cobra das mulheres um ideal de maternidade ao mesmo tempo que não permite que elas sejam mães. Explico. Mesmo após o nascimento, a mulher tem que continuar a cumprir a mesma carga horária de trabalho/estudo com a mesma eficiência anterior; continuar a encontrar os amigos com a mesma frequência e com o adendo de não restringir os assuntos à maternidade; continuar tendo o mesmo apetite sexual de antes; isso sem falar na corrida pela volta ao corpo pré-gravidez. Diante de tanta pressão para que a mãe não sinta os efeitos deste novo e grandioso acontecimento, vem também a negação para as mudanças íntimas que a maternidade traz.

Eu passei por esta fase de negação. De tentar voltar à vida de antes sem querer me dar conta que eu já não era a mesma. E nunca havia vivenciado nada que pudesse me trazer outro ponto de vista sobre quem eu sou, sobre a forma de me relacionar, sobre o olhar do outro, sobre me por no mundo.

Tenho várias ressalvas à obra da Laura Gutman, mas algo muito marcante que li em "Maternidade: um encontro com a própria sombra" foi algo como a maternidade ser uma oportunidade valiosa para o encontro com si mesmo. Uma chance de se enxergar com outros olhos, além de um grande exercício de alteridade.

E é daí que vem o nome do blog. O que para leigos é só maternidade, para mim representa um marco. Uma vivência capaz de transformar paradigmas e representar uma nova forma de pensar e me relacionar. É também uma alusão a um fantástico livro, em português traduzido para "No princípio era a Educação" de Alice Miller.                                                                                                                                                 

Já li que essa transformação pode também ser lida como um luto, uma preparação para uma vida nova. E gosto muito dessa visão. Arrisco fazer um paralelo com a metamorfose da borboleta, em que o puerpério se assemelha à fase do casulo, para preparar-se então para o nascimento da borboleta.

Outro texto que também gosto muito e aborda esse tema, embora não seja o foco principal, foi escrito pela minha xará, a Ligia do cientista que virou mãe:


Há mulheres que engravidam depois de muito planejar. Há mulheres que engravidam sem nenhum planejamento. Há mulheres que engravidam sem sequer terem pensado em ser mães um dia. Há mulheres que engravidam depois de muitos anos desejando um filho. Há mulheres que se tornam mães sem engravidar. Há mulheres que ainda estão esperando - a gravidez, o nascimento, a chegada. Todas essas mulheres, sem exceção, passarão ou já passaram por profundos momentos de mudança quando da chegada do filho. Radicais momentos de mudança. Uma mudança que atinge todos os domínios de nossas vidas. Emocional. De disponibilidade. Logística. Profissional. Para algumas, mudanças de valores. Para outras, de carreira. Para outras ainda, de olhar sobre a vida. Para tantas, todas essas mudanças juntas. No tempo de sono. Na divisão do tempo das tarefas diárias. De ressignificação de si mesma no mundo. De reformulação da rotina. Do círculo de amizades. De hábitos alimentares. E tantas outras... E, sim, tudo isso gera angústia.


Não seria pra menos. São nove meses de gestação, vendo o corpo mudar, sentindo os movimentos do feto, percebendo que nosso corpo está formando outro ser. E como se já não bastasse, há ainda toda a alteração hormonal. Já dizia Alice Ruiz, "depois que um corpo comporta outro corpo, nenhum coração suporta o pouco". E não excluo dessa fase as mães que optaram pela adoção, já que vejo muitas semelhanças entre o processo de adoção e a gestação, a chegada da criança e o parto.


E falando de parto (que ainda pretendo escrever mais sobre o assunto), é um processo que pode influir diretamente no processo de maternagem, seja ele um parto normal, humanizado, cesárea necessária ou eletiva. A forma como o nascimento ocorre e como ele é recebido pela mulher impacta diretamente no puerpério e no que irá se desenvolver a partir dali.


Depois, vem a amamentação e com ela, mais uma explosão de hormônios. São pelo menos seis meses que o bebê se mantém apenas com o corpo da mãe**. Aí aquele serzinho mole e sem reação começa a sorrir, sentar, andar, te chamar de mamãe. Poder acompanhar esse desenvolvimento inicial de uma forma tão próxima é um convite a pensar sobre nós mesmos, sobre empatia e acolhimento. E isso porque eu ainda nem cheguei na fase da adolescência!


Enfim, em se tratando de maternidade nada é regra. Cada pessoa vive essa experiência de acordo com sua bagagem de vida e com as escolhas que faz. Mas não é algo qualquer. É como uma porta que abre caminhos para novas descobertas. E, a despeito disso, não acredito que toda mulher deva ser mãe ou que estas mudanças somente podem ser percebidas pela maternidade. De forma alguma. Mas vejo a maternidade como um atalho para tanto. Se alguém consegue passar imune a ela, não se abalará com mais nada.

O blog tem a pretensão de ser um espaço para reflexão sobre todas estas questões que costumam vir de presente com a maternidade. Espero através dele ter contato com outras pessoas que se apaixonaram pelo exercício da maternagem, e aí amplio o convite não só às mães e pais, mas a todos que se interessem pelo tema. E assunto é o que não me falta. Não poderia também deixar de agradecer à Ludmila Franca, que mesmo tão longe, tem me sido de extrema importância nesta fase de mudança e que me encorajou a iniciar este novo projeto.




*Elsa não é nenhuma personagem da mitologia grega. E sim da Disney :-) É uma alusão às luvas usadas pela personagem do filme Frozen para que ela não sentisse o poder de congelamento. Gosto muito do filme e a forma como ele trabalha com metáforas. As luvas, para mim, representam as ferramentas que usamos para não nos deixar perceber os nossos verdadeiros sentimentos. "Don't let them in, don't let them see / Be the good girl you always had to be / Conceal, don't feel, don't let them know / Well now they know".



**Sei que esse tempo de amamentação seria o ideal. Infelizmente, no Brasil, a média de amamentação exclusiva é de míseros 54 dias. É aquela lógica da sociedade que empurra as mulheres para a maternidade mas não as permite que sejam mães.
Continuar lendo "No princípio era a Maternidade"